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A falta de indignação moral em relação à criminalidade corporativa tem sido recorrente nos estudos sobre empresa e sistema de justiça criminal. Foi este mesmo senso de indignação moral que levou William Laufer à propositura da vitimologia corporativa. Sabemos muito pouco sobre o dano causado pelas corporações e os processos de vitimização, e sabemos menos ainda sobre estratégias mais efetivas de controle social dos negócios.
Indiferente à figura da vítima na criminalidade corporativa, o sistema de justiça criminal acaba deixando de endereçar o juízo de reprovação ao comportamento corporativo socialmente danoso. Assim como ensinado pela criminologia corporativa em Laufer, a ausência de métrica sobre o dano e a vitimização compromete a realização da justiça criminal corporativa e a própria legitimidade da atribuição de responsabilidade penal às empresas.
A criminologia corporativa é extraída do aprendizado histórico a partir das teorias do comportamento criminoso e teorias do crime. Isso é acompanhado da investigação sobre quais lições da criminologia corporativa podem ser aprendidas ao longo da tradição da pesquisa vitimológica. Fruto desta convergência entre criminologia corporativa e vitimologia, a vitimologia corporativa abrange o estudo da vítima e dos processos de vitimização no âmbito corporativo, envolvendo comportamento corporativo socialmente danoso em múltipla escala e a articulação de estratégias, formais e informais, de redução do dano e da vitimização.
As métricas convencionais do dano e os níveis de vitimização (primária, secundária e terciária), embora essenciais para o desenvolvimento disciplinar, são simplesmente insuficientes para a vitimologia corporativa. Há razoável expectativa de que a orientação pelos stakeholders como vítimas e condução do negócio pela criação de valor possam servir de parâmetro para mensurar a efetividade não apenas das medidas de reparação do dano e redução da vitimização, mas também das políticas de reconhecimento e inclusão da vítima. Apesar dos níveis cada vez mais crescentes de violência corporativa, extrapolando o senso comum das vítimas invisíveis, a rotinização e a neutralização moral inviabilizam a percepção dos processos de vitimização. É cada vez mais difundida a justificação moral de que as corporações geram mais benefícios do que dano à sociedade, elas estão de tal forma imbricadas na formação e desintegração da coesão social que produzem contextos de dependência comunitária nada fáceis para a interpretação do controle social dos negócios.
Em "Vitimologia Corporativa" discute-se a aproximação entre responsabilidade moral da empresa, estratégias de tutela penal dos direitos humanos no âmbito corporativo, evidências das práticas restaurativas e compliance em direitos humanos. Além de se somar à mobilização pela revisão dos padrões de controle social dos negócios, a vitimologia corporativa tomará suas lições da convergência de métodos e poderá exercer liderança na necessária revisão dos padrões de imaginação moral das ciências criminais.
"Eu poderia pensar em bem poucas grandes contribuições à criminologia corporativa que tragam uma explicação coerente e mais completa sobre a vitimologia corporativa. E poderia pensar em poucos em uma posição melhor para alcançar este objeto científico tão importante. Antes de qualquer coisa, Prof. Saad-Diniz, é somente a responsabilidade dos mais poderosos neste mundo o que está em jogo".
William S. Laufer, Prefácio.